Por Sandro Roberto Campos, tenente-coronel da PM/ES, especialista em segurança pública.
A segurança pública implica complexidades que estão muitas vezes invisíveis na sociedade em geral. Os delitos materializados amedrontam cotidianamente as comunidades. Fora da mídia, há um cenário subterrâneo contundente.
Esse contexto, dentre outras situações imersas, demarca a fragilidade dos instrumentos punitivos estatais que estão incursos no cenário das penas alternativas. Por um lado a lei federal 9.099/1995 originou-se com a finalidade da criação de uma política de desencarceramento para os crimes ou contravenções penais cujas penas são inferiores a dois anos. Por outro lado, a fiscalização e ausência de divulgação quanto à efetividade dessas penas e reincidências, acentuam trajetória de possível descompasso e impunidade.
Para os policiais militares que atendem diuturnamente ocorrências de toda a sorte, o sentimento de encontrarem as mesmas pessoas envolvidas nos mesmos problemas “menores” (que de menores não há nada) e nas mesmas localidades várias vezes descreve uma arquitetura de repetição, frustração e adoecimento. A revisão legal protocolar desse cenário mimetizado é emergente, principalmente quanto à efetividade dessas medidas.
Compreendo que o nascimento das leis deveria vir acompanhado de instrumentos de controle e avaliação de efetividade. Do contrário, as vias de seus objetivos acabam sendo questionáveis e seus propósitos não alcançados. Daí o overload: os atendimentos se repetem, formam uma lacuna inalcançável e os problemas que não possuem encaminhamentos eficientes se acumulam e não são avaliados.
O gap gerado entre a alternativa punitiva e a desesperadora repetição delitiva acaba originando outros crimes maiores. Resultados: impunidade, mimetização delitiva, arquitetura do medo, apatia sistêmica de resultados pífios e muitas críticas à atuação da PM que é a Instituição que, preliminarmente, é deslocada para o atendimento do cidadão após sua ligação ao “190”.
Como a efetividade das ações produzidas nos Termos Circunstanciados de Ocorrências não é visualizada na prática nos mais diversos delitos “menores”, esses conflitos tendem a crescer e gerar problemas muito maiores, como os casos de “perturbações ao sossego e ao trabalho” e tantos outros.
Segundo a revista Illanud nº 2, há dois diferentes indicadores: objetivos e subjetivos. Os objetivos retratam os crimes que chegam ao conhecimento dos órgãos oficiais de polícia. Os subjetivos apontam as subnotificações de situações reais ocorridas, mas não informadas ou crimes que ocorrem em detrimento de toda uma desorganização social e de difíceis alcances de responsáveis em razão de difuso ambiente.
A relação apresentada aos crimes “menores” acaba encontrando ressonância. Se não monitorados quanto a sua efetividade, podem suas subnotificações ou até mesmo imensos registros, entoar uma perspectiva de agravamento aos crimes de maior punição. Um passivo irrefletido e uma área de sombra pouquíssimo discutida.
No início da década de 2000, a cidade de Nova York realizou experiência focada equivocadamente na teoria das “Janelas Quebradas” (1983), desenvolvendo a “tolerância zero” aos crimes de “pequena monta” com a adoção de implacável vigilância. Os resultados esperados foram “visíveis” quanto à redução da maior criminalidade e severos seus efeitos colaterais com superlotações de delegacias e o aumento de denúncias de abusos policiais.
De um lado não se pode pensar em total inutilidade na ação que acabou demonstrando que a vigilância resultou em redução delitiva. De outro lado, seus efeitos acabaram por gerar graves problemas e danos colaterais enormes às Instituições Policiais envolvidas. Todo planejamento deve ser acompanhado em longo prazo e modificadas estratégias gerando menos impactos e mais ganhos à sociedade atendida.
A lei é de 1995 e requer uma revisão emergencial quanto à leitura acerca de sua efetividade. Os ambientes aonde permeiam esses instrumentos de sanções, ainda que com o propósito da aplicação de outra modelagem punitiva, deu certo? Uma questão que merece ser profunda e honestamente debatida, sobretudo nas densas camadas aonde impera a desordem e um dia a dia de convivência muito difícil.
O acompanhamento e divulgação da efetividade de instrumentos punitivos deve ser a máxima a ser delineada. Não adianta a promulgação de leis sem que haja o devido monitoramento e a verificação acerca de sua real entrega para a sociedade. A reflexão em torno do overload pode representar possível fonte de situações que se agravam para crimes capitais. E a emissão de legislações que não mensurem suas entregas resulta no gap que vem gerando ambientes altamente conflituosos e de difíceis abordagens.
As Polícias Militares residem exatamente nesse gap, mediando situações que merecem mais aprofundamentos e efetividades: são inúmeros os conflitos que chegam ao 190 e às radiopatrulhas. Esse protocolo impactaria não somente na boa resolutividade de conflitos por meio das justiças restaurativas, como também para a saúde mental desses profissionais que na ponta enxergam um abismo diário que não possui fim. As armas estão muito mais centradas na mudança de um modelo mental do que propriamente a linear visão de um front: tudo começa pelos pensamentos, é necessário intercepta-los e fomentar uma cultura de mudanças de comportamentos.
Enfim, o maior desafio: pensar segurança pública num horizonte de longo prazo. Não se vislumbra mudanças bruscas em períodos de tempos reduzidos ou através de hardwares tão somente, é preciso inputs que sedimentem valores positivos e mudanças de modelos mentais na sociedade e instituições. Para além do agora ou da iconofagia, os resultados finais nascem de um demorado processo, talvez o que se recomende essa breve reflexão não seja para nosso atual período da nossa existência, mas para gerações futuras que subsistirão a partir do despertar de nossos atuais pensamentos e atitudes.